ENTREVISTA | HELIENE PORTO

Por Udes Filho
Portal O Quarto Poder

Condenado em júri popular pelo assassinato de Mariana Costa, ocorrido em dezembro de 2016 em São Luís, Lucas Porto segue no centro de um dos casos criminais de maior repercussão no Maranhão. Ele tinha 37 anos quando foi preso, em meio a forte comoção pública, intensificada pelo parentesco da vítima com o ex-presidente José Sarney. Em decisão posterior, o Tribunal de Justiça do Maranhão fixou a pena em 34 anos e 8 meses de reclusão, em regime inicialmente fechado. Neste domingo, 14 de dezembro de 2025, Lucas completa 46 anos, nove deles sob custódia do Estado.

A condenação encerrou o julgamento formal, mas não o debate em torno do processo. A defesa aponta falhas na investigação, inconsistências periciais e violações de garantias legais — argumentos que, até aqui, não alteraram o resultado judicial.
Fora dos tribunais, essas questões passaram a ser vocalizadas de forma contínua por sua mãe, Heliene Porto, que se dedica à leitura crítica dos autos e à exposição pública de questionamentos sobre a condução do Caso.

Heliene Porto construiu sua carreira longe do sistema penal. É graduada em Engenharia de Pesca pela Universidade Federal do Ceará e atuou por mais de quatro décadas como professora e pesquisadora da Universidade Federal do Maranhão, Doutora em Biotecnologia de Recursos Naturais, com trabalhos nas áreas de Oceanografia, Limnologia, Imunologia, Microbiologia, e Biotecnologia. Ocupou cargos técnicos e administrativos na instituição, integrou o Conselho Estadual de Meio Ambiente do Maranhão e foi pesquisadora do CNPq. Em 2016, concluiu também a graduação em Direito.

A entrevista a seguir não busca reconstituir o crime nem revisar a sentença. O que se apresenta é o ponto de vista de uma mãe que, a partir de sua análise do processo, questiona procedimentos, provas e decisões adotadas pelo Estado. Cabe ao leitor, a partir de suas falas, formar as próprias conclusões.

Lucas Porto e Mariana Costa, vítima do crime que resultou em condenação por júri popular.

Depois de tantos anos, quando você olha para trás, qual foi o momento em que decidiu que não seria apenas mãe — mas que se tornaria a principal voz dessa luta pela inocência do Lucas?

O momento foi quando percebi que o Processo não buscava a verdade, buscava um “culpado”.
Eu me vi diante de um cenário onde meu filho foi colocado dentro de uma narrativa “criada”, construída às pressas, com contradições gritantes, ausência de provas técnicas, e uma ânsia institucional por “resposta imediata”.
Ali eu entendi, que se eu me calasse, meu filho seria enterrado vivo pela burocracia, pelo sensacionalismo e pelo medo das autoridades de admitir erro.
Eu não virei ativista por escolha. Eu virei porque o silêncio significaria perder meu filho, para sempre.

Você já ouviu muitas vezes que essa defesa é “apenas amor de mãe”. O que existe além desse amor que sustenta, com tanta firmeza, a convicção de que ele não cometeu o crime?

Amor de mãe “não altera Laudo”, “não fabrica inconsistência”, “não demonstra falhas processuais”.
O que sustenta minha convicção é a leitura minuciosa de cada página, pericial, técnica, policial, jurídica.
E não foi somente eu, quem viu. Muita gente também já viu, mas preferiram, ainda nada fazer.

Meu filho foi até TORTURADO, desde o primeiro dia! (laudo do IML: “agredido por policial”), com o reconhecimento incontestável dos maus-tratos em Audiência de Custódia, no mesmo dia da sua prisão, e nada fizeram, NADA!!!! …..Não é Dra. Andrea?…. Depois houve mais episódios, de TORTURA, flagrada até pelas câmeras do presídio. E isto, não é apenas, um detalhe técnico, pois quando a integridade física / psicológica de qualquer suspeito é violada, antes até da investigação, todo o Processo de julgamento se abala, e cabe à sociedade reagir.

Percebo que todo o Processo de investigação foi muito mal conduzido, aparentemente fora dos padrões e protocolos (documentos sem via original nos autos), “cópias”; perícias inconclusivas e outras pendentes; versões incompatíveis com horários, trajetórias, registros e testemunhos.

Percebe-se, só o que há, neste caso, é uma pressão institucional, com pessoas influentes, e com ações que sempre contaminaram a voluntariedade e imparcialidade dos agentes públicos envolvidos.

E isso é o que causou, e continua causando o maior constrangimento, na liberdade do meu filho e de toda nossa família.

Meu amor me deu força. Mas a razão, sempre me deu certeza.

Entre tudo que leu, qual foi o primeiro ponto jurídico que acendeu em você a certeza de que havia algo errado?

Sem sombra de dúvida me chamou muito atenção o próprio Exame Cadavérico. Além das visíveis incompatibilidades, entre a narrativa acusatória e o conjunto, que diziam, probatório “real” (?), nos autos.
Minha opinião é que a investigação não trilhou por um caminho preciso, correto. Até porque várias pessoas, estiveram no prédio, e pelo menos uma também desceu pela escada, outra estava dentro do apartamento com a jovem, passou no mínimo 1:20 h, muito mais tempo que o Lucas, e sequer foram investigadas, tiveram seus celulares apreendidos, muito menos levadas a fazer exame de Corpo de Delito….NADA…ZERO!

Outra, nitidamente percebe-se que esse tal, como dizem, “conjunto probatório” nasceu para um “roteiro”, e muito mal dirigido.
Outro ponto que me chamou muita atenção, foi quando soubemos que não preservaram a cadeia de custódia dos vídeos do edifício da jovem falecida, em sua integralidade, conforme inclusive solicitado pelo próprio Delegado que presidia o Inquérito, e que formariam elementos fundamentais para a reconstituição dos fatos. Não, simplesmente não foram encartados aos autos, nem sequer fizeram “cópia” integral desses vídeos, o que houve foi um “sumiço” generalizado, de provas que devem acompanhar os autos, mas que haviam extraído “recortes” …exato termo usado pelo perito em seu Laudo …, nesta fase de investigativa.

A exemplo, as fotos do corpo da jovem falecida, que faz parte do Protocolo no Exame Cadavérico….Como os legistas não tiraram fotos, exatamente do corpo de uma “sobrinha-neta de um ex-presidente da República”?…O horário em que esse exame foi realizado …nas primeiras horas da madrugada…também foi estranho! O protocolo aconselha fazer exames cadavéricos à luz do dia, exatamente para verificação a coloração de hematomas, caso existam. Só se faz com tanta pressa, como foi este Caso, quando se trata de autoridade e o corpo tem que viajar, a exemplo do Tancredo Neves, e do Airton Senna, mas esse não era o caso. Daí percebi que a acusação ainda seguia, como se estivesse tudo completo. Ali eu senti: “Algo muito errado está acontecendo aqui.”

O júri popular condenou o Lucas. Para muitos brasileiros, isso encerra qualquer dúvida. O que impede você de aceitar essa decisão como definitiva?

Porque a decisão se baseou em emoções sensacionalistas, não em provas. Estas ainda estão sendo ocultadas e obstruídas.
O Júri foi alimentado por uma mídia (familiar), que não apresentou as gritantes lacunas investigativas, com imensos erros de se apurar fatos tão sérios, como estes.

Veja, se ao menos, os aparelhos celulares fossem abertos, não precisaria de todas as muitas “construções” de narrativas, incompatíveis entre si. Pois abriríamos logo esta caixa – preta, e a VERDADE seria revelada.

Esta condenação não superou o teste básico, de compatibilidade com os fatos. E eu não posso e jamais aceitarei, como definitiva, uma decisão que não foi construída sobre a verdade, mas sobre a pressão por um culpado.

Você publica materiais, busca especialistas. O que sente quando percebe que poucos veículos dão espaço à sua versão?

Sim, nas redes sociais: https://www.instagram.com/lucasportoinocente/ e https://www.youtube.com/@lucasportolivre.

Sinto que vivemos em um país onde admitir erro estatal, já é um tabu, ainda mais um erro judiciário. A mídia oficial tem hoje, como seu maior “anunciante”, este mesmo estado, que por ser assim, prefere silenciar em muitas questões, do que se submeter às revisões críticas, que precisam fazer.
Mas também sinto que, no fundo, todo este esforço presta uma contribuição imensa na correção deste mal. Pois, tudo que publicamos é inteiramente do processo que meu filho “tenta responder”, e isto incomoda à todos, que devem ser incomodados. Se não divulgam, é porque o silêncio protege alguém, e não é o meu filho.

Em algum momento pensou em desistir? Se pensou, o que fez você levantar e continuar?

Essa opção eu não tenho. Cada vez que alguém me vinha com algo desse tipo, eu pensava, se eu parasse, “ninguém” ocuparia meu lugar nessa trincheira.
Então, me levanto todos os dias, pronta para os desafios, pois a injustiça continua ativa, e latente, com a consciência de que somos a voz do Lucas aqui fora. E enquanto essa ilegalidade existir, eu não tenho o direito de me render.

Qual foi o episódio mais duro que enfrentou?

Foi entrar no presídio pela primeira vez. Ver meu filho algemado, abatido, tratado com toda desumanidade, quando eu sabia que nem sequer havia prova concreta contra ele.
Ali eu me quebrei por dentro. Mas ali, também eu me reconstruí, faço desta minha dor, à minha maior força.

Se pudesse escolher duas páginas do processo para todo brasileiro ver, quais seriam?

Primeiramente, é bom que se repita isto: Da ausência de documentos originais, nos autos. Nos autos, estão cópias em preto e branco, sem cadeia de custódia, sem assinatura de autenticidade, em muitos “documentos”.

Mas, ainda assim, vamos a primeira:
Aquela que mostra a tortura estatal: Laudo do IML confirmando “agressão policial”, com a supressão do áudio da audiência de custódia (violação direta da Resolução CNJ 213/2015), com total inexistência que vincule o Lucas à prática de crime violento. Porque isto já desmonta boa parte desta encomenda.

A segunda:
As páginas dos horários dos deslocamentos, estes registros simplesmente não fecham com as declarações dos mesmos agentes responsáveis pela investigação.
Qualquer pessoa minimamente racional veria esta edição gravíssima. Na minha opinião mais parece manipulação de pericias, com esta edição, mais aparentando alteração do horário do CFTV (e esta, uma adulteração digital, sem certificação “hash”.), Logo, essas “provas”, o coração de todo processo judicial, parecem ter sido convertidas em instrumentos de fabricação, e isto não é justiça. E todos nós sabemos muito bem disto!

Como essa luta transformou você como pessoa?

Eu me tornei muito mais forte, muito mais seletiva, muito mais crítica e muito mais consciente da “vulnerabilidade” do Sistema.

Hoje percebo, como este caso que meu filho enfrenta, muitos também não aconteceram por acaso, pois todos eles estão inseridos em um histórico pesado de exercício do poder, prática de influência política e judicial, com favorecimentos, escândalos e interesses locais.

Quando grupos políticos exercem influência sobre nomeações, decisões judiciais e até produção de provas, o que temos é uma blindagem, desta esfera institucional. E este processo do meu filho, coexiste com um Judiciário marcado por denúncias de corrupção complexa e estruturas de poder imbricadas à família que historicamente domina o Maranhão. Um exemplo recente, a “Operação 18 Minutos”, onde houve denúncia do Ministério Público Federal, contra 4 desembargadores e 2 juízes do TJMA, em um esquema de “venda de sentenças”, “sorteio dirigido de processos judiciais”, entre outros escândalos no Tribunal de Justiça do Maranhão.

Antes, eu “confiava”. Hoje, eu examino. Antes, eu “ouvia”. Hoje, eu questiono. . .
Eu não sou mais a mulher que acreditava que a Justiça sempre chega.
Hoje, eu sou a mulher que descobriu que, às vezes, é preciso puxá-la (Justiça) pelos cabelos até que ela apareça.

No futuro quando alguém perguntar quem foi Heliene Porto, como quer ser lembrada?

Quero ser lembrada como a mulher que não aceitou qualquer “destino” inventado, imposto.

Quero ser lembrada como a mãe que se levantou contra o silêncio. A cidadã que ousou dizer: “Isso não está certo. E eu provo.”
Se me chamarem de “mãe coitadinha”, de “ativista” ou do que for, não importa. O que importa é que saibam que eu fiz, o que era certo.

Meu filho, só amou na vida, E são frutos de amor, às suas filhas, nossas netas. E que hoje, passaram a estar inacessíveis, à ele e também à todos nós da família paterna.

E isto é algo que não conseguimos compreender. E este afastamento e silêncio, não é benéfico a ninguém.

Peço a Deus, que esta situação se altere, com grande alegria, amabilidade e todo o afeto que nos unem, para celebrarmos, ainda em tempo, dias melhores, juntos em família.