A Câmara dos Deputados aprovou, na madrugada desta quarta-feira (10), às 2h26, o texto-base do projeto que altera regras de dosimetria e reduz as penas de condenados por atos golpistas — incluindo os envolvidos no ataque de 8 de janeiro de 2023, quando bolsonaristas invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes, em Brasília.
A proposta também pode favorecer o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Segundo a decisão judicial que o condenou, Bolsonaro recebeu pena de 27 anos e 3 meses de prisão, acusado de arquitetar um plano para dar um golpe de Estado. Ele cumpre pena na sede da Polícia Federal, em Brasília. Com as novas regras, o ex-presidente poderia ter redução no tempo total de reclusão.
O chamado “PL da Dosimetria” altera pontos centrais da legislação penal:
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O crime de golpe de Estado (pena de 4 a 12 anos) passa a absorver o de abolição violenta do Estado Democrático de Direito (4 a 8 anos);
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A progressão de regime fica mais rápida: saída do fechado após 1/6 da pena, em vez de 1/4 como é hoje.
A votação terminou com 291 votos favoráveis, 148 contrários e 1 abstenção. Outros 72 deputados estavam ausentes.
O texto segue agora para o Senado, onde, segundo o presidente da Casa, Davi Alcolumbre (União-AP), deve ser votado até o fim do ano. Se aprovado, ainda passará pela análise do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que poderá vetar trechos ou o projeto inteiro.
Manobra surpresa e dia tenso na Câmara
A decisão de pautar o projeto surpreendeu os líderes partidários. O anúncio foi feito pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), na manhã de terça (9), recolocando em debate um tema que vinha perdendo força nos últimos meses.
Em agosto, aliados de Bolsonaro chegaram a ocupar os plenários da Câmara e do Senado, tentando forçar a votação de medidas de anistia e redução de penas — sem sucesso.
O clima ficou ainda mais tenso ao longo do dia. Durante a tarde, o deputado Glauber Braga (PSOL-RJ) tomou a cadeira de Motta em protesto contra o processo que pode cassá-lo por quebra de decoro. Ele se recusou a deixar o local e acabou removido à força por policiais legislativos.
A confusão levou a segurança da Casa a retirar a imprensa do plenário e cortar o sinal de TV da sessão — uma medida considerada inédita.
Parlamentares da base do governo Lula afirmam que o projeto aprovado pela Câmara abre espaço para impunidade, especialmente após as condenações impostas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) nos últimos meses.
De acordo com cálculos feitos pela equipe do deputado Paulinho da Força, caso a proposta seja sancionada, o ex-presidente Jair Bolsonaro permaneceria no regime fechado por aproximadamente 2 anos e 4 meses.
Bolsonaro foi condenado pela Primeira Turma do STF em setembro. Em 25 de novembro, o ministro Alexandre de Moraes declarou o trânsito em julgado do processo — encerrando a possibilidade de recursos — e determinou o início imediato do cumprimento da pena. Quinze dias depois, a votação na Câmara abriu caminho para uma eventual redução desse período.
O ex-presidente está preso desde 22 de novembro na sede da Polícia Federal, em Brasília. A prisão ocorreu após Moraes entender que Bolsonaro tentou violar a tornozeleira eletrônica que utilizava na prisão domiciliar usando um ferro de solda. Para o ministro, a ação indicava risco de fuga, o que motivou a decretação da prisão preventiva.
Aliados pressionam por anistia
Aliados de Jair Bolsonaro vinham defendendo uma anistia ampla, mas o projeto aprovado pela Câmara não prevê o perdão das condenações — apenas a redução das penas já impostas.
“O que estamos fazendo não é anistia. Não tem anistia. As pessoas vão continuar cumprindo pena”, afirmou o relator da proposta, deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP).
A anistia é um perdão concedido pelo Estado que extingue a punibilidade de determinados crimes. No Brasil, ela pode ser estabelecida por lei aprovada pelo Congresso ou, em casos específicos, por medidas do Executivo.
Paulinho também disse acreditar que a mudança na legislação desestimula novas investidas contra a ordem democrática.
“Vão pensar duas vezes antes de repetir algo assim”, declarou.
