O PL da Dosimetria, aprovado pela Câmara dos Deputados para tratar da situação dos condenados pelos atos de 8 de janeiro — incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro — deve, na prática, reduzir o tempo de progressão de pena para criminosos comuns. A avaliação é de especialistas em direito penal e execução penal, que apontam um afrouxamento significativo nas regras atuais.

O professor da PUC-RS e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Rodrigo Azevedo, afirma que o novo modelo diminui “sensivelmente” os percentuais exigidos para mudança de regime, principalmente em crimes comuns sem violência.

“Na prática, beneficia criminosos comuns ao padronizar a progressão em um sexto da pena. Hoje, mesmo em crimes sem violência, o sistema exige 20% para primários e 30% para reincidentes”, explica Azevedo.

O criminalista João Vicente Tinoco, professor da PUC-Rio, concorda. Para ele, o PL representa um retrocesso em relação ao pacote anticrime, de 2019.
“O PL não volta totalmente ao cenário pré-2019, mas dá um passo atrás em várias situações e flexibiliza a execução penal em casos específicos”, afirma.

Câmara nega benefício a crimes comuns

O relator do projeto, deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP), disse na votação que a proposta não afeta criminosos comuns.
“Não há nenhuma possibilidade de este texto beneficiar crime comum. Ele trata apenas do 8 de Janeiro”, declarou.

Azevedo rebate:
“A Lei de Execução Penal é geral. Não existe, no sistema constitucional brasileiro, uma lei que valha apenas para um grupo específico. O texto aprovado atinge todo condenado no país.”

Segundo ele, o efeito é imediato:
“Hoje, um condenado por roubo só progride após 40% da pena. Com a mudança, se for primário, passa a progredir com 25%. É impacto direto nos crimes comuns.”

O que muda

O PL 2.162/2023 permite progressão de regime após o cumprimento de um sexto da pena (16%), patamar hoje reservado apenas a réus primários em crimes sem violência.

A mudança beneficia inclusive condenados por crimes violentos, como tentativa de golpe de Estado — caso dos 8 de janeiro. O texto, porém, cria exceções que elevam a progressão para 25% em crimes contra a pessoa e contra o patrimônio.

Tinoco alerta para brechas:
“Há uma série de crimes violentos que não estão nesses títulos do Código Penal. Esses, mesmo com grave ameaça, serão beneficiados.”

O professor também critica a motivação do projeto:
“Mudar a legislação pensando em um caso específico — ou em uma pessoa específica — gera distorções de difícil previsão.”

Azevedo acrescenta que o PL da Dosimetria contradiz o PL Antifacção, que endurece regras para integrantes de facções e milícias.
“Aprovar medidas conflitantes fragiliza o SUSP, gera insegurança jurídica e dificulta políticas públicas estáveis.”

Próximos passos

O projeto será analisado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado na próxima quarta-feira (17). O relator será o senador Esperidião Amin (PP-SC), aliado de Bolsonaro e defensor da anistia total aos condenados pelos atos golpistas de 8 de janeiro.